terça-feira, 26 de outubro de 2010

Revitalização do Carlos Gomes ainda é incerta e preocupa cineastas locais

Publicado em: 25/10/2010 18:10
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Faltando apenas dois anos para completar seu centenário, o projeto de reforma para abrigar um centro cultural não teve início

GABRIELA GONÇALVES, JARIZA RUGIANO, MARINA MACIEL

O número de cinemas de rua diminui com as salas anexadas aos shoppings, onde há maior oferta de entretenimento. No ABC, devido à falta de investimentos em infraestrutura e segurança, não há mais nenhuma sala de projeção fora de centros comerciais. Além de filmes com melhor qualidade de resolução e tecnologia da imagem (3D), no comércio fechado as pessoas também podem realizar outras atividades, como compras em praça de alimentação e lojas, o que tornou as grandes salas mais atrativas.

O cine-teatro Carlos Gomes, no Centro de Santo André, ilustra essa situação. Fundado pelo Conde Vicente Arnaldi, em 1912, na rua Coronel Oliveira Lima, o cine-teatro foi transferido para seu atual endereço, na rua Senador Fláquer, em 1925. Como outros cinemas do ABC, teve sua decadência nos anos de 1980, quando passou a exibir filmes adultos. Logo foi vendido para uma loja de tecidos e, em seguida, para um estacionamento. Em 1992, o espaço foi tombado e adquirido pela prefeitura da cidade. Desde 2008, o local está fechado pela Defesa Civil por possuir problemas de infiltração, na parte elétrica, nos banheiros, segurança ineficiente, falta de saída de emergência e de acessibilidade para deficientes.

Apesar destes problemas, o projeto de revitalização do Carlos Gomes segue há 11 anos com propostas incertas de continuidade, desde a administração de Celso Daniel até o atual governo de Aidan Ravin.

Em entrevista concedida há dois meses para o jornal Diário do Grande ABC, o secretário Edson Salvo Melo declarou que a reforma poderia começar no início de 2011 com custo estimado em até R$ 2,5 milhões. A intenção, segundo o jornal, era conseguir parceria com a iniciativa privada para o local abrigar um centro cultural relacionado ao cinema e ser sede da Orquestra Sinfônica de Santo André e da Escola Livre de Cinema e Vídeo (ELCV), além de ministrar outros cursos.

A assessoria de imprensa da secretaria de Cultura da cidade, no entanto, não confirma a informação e diz não haver demanda para o plano de reforma do cinema, evidenciando que a obra está parada.

Na opinião de três cineastas do coletivo Corja Filmes, formados pela ELCV e que tiveram aulas no Carlos Gomes, os antigos cinemas alternativos do ABC continuarão ocupados por igrejas e bingos.

“Quando foi fechado, não foi nem comunicado aos alunos que estávamos mudando de endereço. Está do jeito que foi fechado, inclusive com nossos objetos das produções, como tapete, vaso, arara de roupas”, contou Edson Costa, formado em 2009. Costa também lembra que o atual secretário da Cultura se comprometeu, por meio de reuniões com os alunos quando assumiu o cargo, que iria voltar com a sede da ELCV no cine-teatro depois da reforma.

Hoje, a ELCV fica na Chácara Pignatari, na Vila Metalúrgica. O acesso é mais difícil por ser mais distante do Centro, onde há transporte por meio de trens e ônibus para o restante do ABC e São Paulo.

Os profissionais da área também se preocupam com uma eventual elitização do local, caso o projeto seja realmente tocado pela administração da cidade. “Todos os boatos mostram que não será um espaço popular. Se vier um acionista que irá transformar o cine-teatro em um Alfa, não vamos ter acesso. Se vier a sede da Orquestra Sinfônica nos moldes da Sala São Paulo, o ingresso ainda estará lá em cima. Eles não pensam no produtor cultural da cidade”, declarou Costa.

A troca de governos é um dos motivos pelos quais os projetos não são finalizados, desencadeando uma série de ideias que após quatro anos entre aprovação e contatos com patrocinadores não são concluídas. “Mudou a prefeitura, a proposta acabou”, contou Ângelo Szamszoryk, estudante de cinema que fez parte da turma de transição do Carlos Gomes para a atual sede.

Os cineastas consideram importante a contemplação tanto do cinema como das artes cênicas, dança e música para formar um centro cultural rico na cidade, como argumentou Costa. “Quanto mais englobar, mais efervescência cultural vai ter. Santo André tem problema na formação de público, mas não de produção”, avalia.

O desejo de retornar por parte dos alunos é grande. “A nova turma de alunos não teve nenhum contato com o Carlos Gomes e a gente da turma anterior fica com muita vontade de voltar”, afirmou Ângelo. Os alunos reclamam por não saber sobre o andamento dos projetos de revitalização. “Ninguém sabe o que está acontecendo de fato. Se questionar se há investimento, a gente não sabe. O Carlos Gomes foi citado como uma possível volta messiânica”, completou.

A cineasta Luma Reis também reforçou a ideia da falta de uma rota central cultural no ABC. Ela mostrou ceticismo quanto à revitalização, lembrando do projeto Corredor Cultural, até hoje não realizado. “O corredor iria ligar a UFABC (Universidade Federal do ABC) até o Centro por um túnel subterrâneo, e com uma saída até o Carlos Gomes. Foi um projeto que, se tivesse fomentação e iniciação pública, seria incrível”, disse.

Os três cineastas já gravaram filmes no Carlos Gomes e sentem falta de espaços para chegar ao público. “Uma hora precisamos saber onde é que os filmes serão exibidos. Cineclube é uma ótima forma para exibição, mas não alcança público como uma sala específica. No Brasil, a sala de distribuição pública é a saída”, afirmou Ângelo. “O último filme que eu dirigi, gastei R$ 100 e circulou por cinco festivais, mas, em Santo André, não tem onde exibir”, disse Costa.

Adesão pública - Questionados sobre a pesquisa divulgada pela Folha de S.Paulo na última quarta-feira (20/10), em que 60% da população da capital paulista não tem interesse por cultura, como cinema e teatro, Ângelo confrontou. “Dou aula de cinema para um público que não tem predileção a cultura nenhuma. Quando eu pego um filme que o expectador médio gosta, eles dormem. Se a pergunta fosse ‘qual é o tipo de cultura que você se interessa?’, a resposta seria outra”, acredita.

Os três reconheceram a necessidade de apoio do poder público. Edson garante a vontade do grupo em produzir longas e curtas para a população andreense. “Não queremos fazer filmes para ficar na estante, queremos outras forças de realizadores ou dos que estão começando. A gente tem desejo de passar isso adiante, não queremos para a gente, queremos para todos”. Para isso, eles têm parcerias com outros grupos da ELCV, como o Cinestésicos e o Cinema de Guerrilha.

Eles concordaram, também, que o cine-teatro Carlos Gomes seria o lugar mais propício da cidade para a apresentação de seus trabalhos. “É uma nova cena de cinema independente brasileiro, em que predomina a praticidade, sem foco principal na estética, desempenhando com rapidez e de baixo custo. Mas a população tem que requerer isso também”, afirmou Ângelo.

Tempos de glória - O antigo cinema tem capacidade para 680 expectadores, mas atualmente sua fachada serve apenas como ocupação da feirinha de artesanato da rua. Antes palco para exibição de produções da Companhia Vera Cruz, de São Bernardo, das comédias de Mazzaropi e de apresentações musicais, o Carlos Gomes era conhecido pela 'Sessão do Amendoim', na qual os rapazes consumiam o petisco que era vendido na porta.

OBS: No link da matéria há cobertura também em video.


http://www.metodista.br/rronline/noticias/entretenimento/2010/10/revitalizacao-do-carlos-gomes-ainda-e-incerta-e-preocupa-cineastas-locais

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