quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Diário de realizador no 6º Festival Internacional de Cinema em Super 8 de Curitiba

(por EDSON COSTA)

O Festival acontece, pra mim, de forma muito especial. Trabalhando como louco em produções da Corja Filmes, ele acontece num momento de respiro, avaliações dos processos e começo de planejamento dos rumos para o próximo ano, não só o individual como o da Corja toda.
Uma coisa eu posso afirmar: este Festival Curta 8 mudou, ou melhor, me fez crescer muito como artista, apreciador e realizador de Cinema.
A primeira coisa que me despertou é que o Filme que entrou no Festival, Ópera de Arame, é um trabalho pelo qual temos muito carinho e isso se deve prioritariamente ao processo dele como um todo, da ideia até ao filme pronto. Hoje tenho total percepção de que apenas iniciamos trajetória do fazer cinema, ainda estamos engatinhando.

Me programei para estar em todas as sessões e eventos do Festival. No primeiro dia, seria a sessão do nosso filme, onde eu estaria “sozinho”, pois as meninas Andréa, Luma e Norma chegariam no segundo dia. Posso até por fora parecer seguro e tudo mais, mas, por dentro, estava muito nervoso e aflito. Este filme já passou por festivais, dois eu até consegui acompanhar, mas este era especial, afinal é de Super 8. Não tinha ideia de que teríamos tanta gente, plateia cheia e muitos realizadores presentes. Dá pra contar nos dedos os que não estavam lá, mas mesmos estes mandaram cartas e manifestos para serem lidos no debate ou na apresentação de seus filmes.

Na apresentação do filme, convidei amigos de Curitiba pra me acompanhar, para me sentir mais seguro. Na apresentação, voz trêmula, mas aí já não é mais insegurança, já era emoção de ver o filme numa sala lotada, num Festival de Super 8, com realizadores, pesquisadores de cinema e uma plateia muito especial, onde todos foram assistir filmes em Super 8. O detalhe é que, no primeiro dia, muita gente ficou sem poder entrar na sala, pois estava lotada.

Quando fui pra Curitiba, não tinha noção da grandeza deste Festival, que não se resume em quantidade de filmes ou salas, mas sim na troca entre realizadores, das experiências, ou mesmo na experimentação do Super 8, que é o nosso caso.
Nos Festivais em que anteriormente estive presente com o filme, Mostra Campinas(2009) e Visões Periféricas-RJ (2009), não havia público nas sessões, nem mesmo conheci um outro realizador sequer. Um outro fato é que este filme teve poucas exibições, sendo uma delas a única com a Prefeitura de Santo André, com o prefeito que geriu a cidade até 2008. Depois, com o novo gestor da cidade, Aidan Ravin, as carreiras não só deste filme, mas de todos os produzidos nas gestões anteriores, foram barradas pela prefeitura para exibições da secretaria de cultura. Entramos num exílio artístico. Filmes nos quais foram gastos recursos públicos não são aproveitados como produtos da cultura andreense, um motivo de revolta e desconforto com esta gestão.

Voltando ao Curta 8, é difícil comentar os filmes, pois fiquei impressionadíssimo com inúmeros trabalhos, onde cada um dos filmes ali exibidos e debatidos tem o seu valor de experimentalismo, com grandes soluções “criativas e técnicas” para o Super 8. “Me sentia uma criança aprendendo a falar”, mas com um enorme conforto, pela acolhida dos outros realizadores.

No segundo dia, as meninas chegaram. Fomos almoçar com os produtores dos festival e outros realizadores. Saindo do restaurante, fomos ao Paço, que é um palacete muito belo, sentamos num café na praça, e não faltou assunto. Depois, Manuela e o Flávio nos levaram às ruínas e ao Largo da Ordem. Curitiba, que é linda e cheia de História.

Na sessão do Festival, novamente pessoas ficaram pra fora, mas consegui pegar ingressos para todos, menos para mim, problema que foi logo resolvido pela produção, esta sempre presente.

Na sessão, uma Mostra dos trabalhos de Cláudio Caldini, pesquisador da fotografia em todos os seus filmes, um grande artesão na exposição do negativo. Claro que só soube disso tudo depois de cochichar com a Andréa. Eu não estava conseguindo acompanhar a sessão, então ela me mostrou a linha de raciocínio e pesquisa. Logo e depois um debate com Caldini, tudo ficou claro na minha cabeça.

Depois, novamente os filmes de realizadores das sessões competitivas, estes além das Tomadas Únicas, e finalizados em DVD, também tínhamos os montados em película. O mais impressionante é que em todas as sessões éramos surpreendidos pela criatividade, técnica e a beleza dos Super 8, os “resultados” de cores, estilos, plasticidade, estética.

Os realizadores, tímidos no debate. Todo esse conjunto de sensações se resume na paixão dos realizadores que vemos pulsar na tela ou em conversas informais, daí já sem plateia. Passeios gastronômicos por lugares incríveis onde, mesmo falando pouco e inibido para abordar outros realizadores, ouvia mais do que falava.

Nesta mesma noite, fomos, depois de jantar, para um samba (as meninas foram dormir, pois tinham viajado muitas horas e estavam muito cansadas). Ficamos até o samba fechar, esticamos num bar chamado Gato Preto, não sei a localização, mas sei que é para onde vão as “putas” de seis zonas daquela região. O mais bacana de tudo isso, sobre os lugares onde fomos e para os quais quero voltar, é que todos se misturam, conversam, onde todos podem ser o que quiser, sem falsa hipocrisia. Uma delícia. Chegando no hotel entre 6 e 7 horas da manhã, lembrei que teríamos um jogo de futebol para o qual o Rafael (Diretor de Produção) me convidou e onde jogariam a equipe de produção do festival, realizadores, jurados e convidados.

Não acreditava que todos estariam de pé, dormindo apenas 3hs, mas tive que acreditar. O Rafael me acordou, tentei disfarçar que já havia acordado, mas claro que ele não caiu! Então, vamos lá: futebol!

Não jogava bola desde o ginásio, há uns 20 anos? Nem sei, mas tudo bem, é chutar pra frente e ter sorte de acertar o gol. Os times foram formados onde disputariam Brasileiros e um outro time misto que classificaríamos como Argentinos. A maior partida de futebol que já joguei, com um valor histórico, onde entre os argentinos estavam Claudio Caldini, Andrés di Tella, e o Argentino campineiro Lucas Vega. Não posso deixar de comentar que os melhores e mais belos gols foram feitos por duas mulheres em cima dos goleiros argentinos. Lila Foster fez gol em Lucas, num gol de cobertura, abrindo o placar, e Manuela Martins cobrou um pênalti belíssimo em cima de Caldini, fechando o placar. Os Brasileiros ganharam por 9 X 7 em cima dos Argentinos, mesmo depois de muitas trocas por reforços para o time argentino.

Depois da partida, corri para encontrar as meninas e aproveitar um pouco a cidade antes das últimas sessões. Voltando às pressas, chegamos à sessão do Home Movie Day (dia dos filmes domésticos), onde teríamos um filme que o pai da Andréa Iseki gravou quando ela tinha uns 4 anos. Na noite anterior à chegada das meninas em Curitiba, liguei para a Andréa trazer os filmes que ela tinha de Super 8, pois teria uma mostra de filmes domésticos no fim da tarde de domingo, no último dia do Festival, e ela poderia trazer o material para verem se ele estava em bom estado de conservação. Ela deu inúmeras desculpas para não trazer os filmes, que os filmes estavam com fungos, em decomposição, que poderiam pegar fogo... E quando ela me falava uma coisa, eu ia na organizadora da Mostra (Lila) e ela respondia “mas tem que trazer, pois vamos inspecionar e avaliar o estado do filme. Uma coisa é certa, se existir risco, apenas não exibiremos, simples assim, mas temos que ver o filme para poder saber”. Ótimo! Não tínhamos motivos a temer, assim a Andréa venceu a timidez e entregou o filme à Lilá, pedindo para não falar sobre o filme, mesmo porque ela nem sabia o que tinha ali filmado.

O filme que a Andréa trouxe foi o primeiro a ser exibido. Eles, durante o teste, viram o filme e deram até um nome para apresentá-lo: “Festa de Socorro”. Era uma festa junina na cidade de Socorro, no interior de São Paulo, onde não havia nenhum dano de conservação do filme, e a Andréa apareceu duas vezes em frente a câmera, e ela me cochichava durante a sessão. Entre os comentários estava: “Nossa, ele era um grande fotógrafo, não perdeu o foco nenhuma vez, tinha muita noção de luz e operação de câmera”. Depois deste filme, tivemos vários outros, estes comentados durante a exibição pelos donos que herdaram ou pelos realizadores, algo que agregou muitos valores emocionais e históricos aos filmes exibidos. A Andréa disse no fim da sessão: “se soubesse que era assim, teria entregado todos os filmes que tenho pra exibir.” Ela tinha mais 18 rolos.

Esta sessão foi uma das melhores, pois ficou explícito como os registros de Super 8, dos então rotulados “filmes amadores ou domésticos”, têm um domínio de fotografia, direção e estética, que se deve apenas pela intimidade e paixão pelas câmeras. Algo ainda distante de nós iniciantes, alunos e jovens cineastas.
A premiação da mostra competitiva não poderia ser mais justa, fiquei muito satisfeito com os resultados, onde não ganhamos nenhum prêmio dos jurados ou juri popular, mas ganhei inúmeros prêmios dos colegas realizadores, com quem trocamos experiências de processos e que me presentearam com o contato com seus filmes. Volto de Curitiba impressionado com a produção local do Paraná, entre os jovens talentos e o conhecimento de cineastas como Cyro Matoso e Celso Lück Junior, também paranaenses, além dos realizadores de super 8 que estão pelo Brasil. Não podendo deixar de registrar o aprendizado com o argentino Claúdio Caldini, e os filmes estrangeiros que também eram incríveis. As conversas com o projecionista, grande pensador e amante de cinema, Lucas Vega, conversas entre Lila Foster, Rubens Machado Jr., Leandro Bossay, Rafael Urban, Carlos Magno e as confidências trocadas com Manuela.

Volto a São Paulo com o desejo e o impulso de reformar as câmeras de Super 8, projetores dos meus amigos e fazer novos filmes, aplicando todo aprendizado que ganhei neste Festival dos outros realizadores.

Torço para que este Festival continue existindo por muito tempo, pois estar nele foi uma das melhores experiências que tive desde que faço cinema. E o que eu puder fazer para que isso aconteça, eu o farei, e como o Leandro Bossay (coordenador e curador) disse: Isso só é possível com os realizadores fazendo seus filmes. Então façam mais filmes!

Um comentário:

  1. hahahaha!
    jogar futebol deu uma diferenciada nessa experiencia cinematografica heim Edinho?
    sensacional!
    essa experiencia de super-8 se tornou tão romantica quanto a propria pelicula em si!
    parabens pelo texto!
    abrax truta

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